O significado mais modesto de “penduricalho” refere-se a “adorno, berloque”, algo que acrescenta um detalhe. Contudo, quando associado ao subsídio da magistratura estatal brasileira e responsabilizado por criar “supersalários”, o termo perde completamente esse sentido. De fato, o acessório passa a ser o principal.
Como justificar que um juiz de Direito de um Tribunal de Justiça, cujo teto remuneratório é o dos ministros do STF – atualmente em torno de R$ 46 mil –, possa receber mensalmente valores de R$ 100 mil ou até R$ 200 mil, enquanto os ministros do STJ e do STF seguem, rigorosamente, os limites estabelecidos pelo teto constitucional?
Consulte aqui o painel de remuneração dos magistrados.
Limite
O teto remuneratório dos juízes, assim como de todos os servidores públicos, corresponde ao subsídio mensal dos ministros do STF, conforme o art. 37, XI, da CF. Esse limite é conhecido como o “teto constitucional”.
O valor do subsídio dos ministros do STF é reajustado periodicamente por lei específica. A mais recente atualização foi determinada pela lei 14.520/23, que prevê valores escalonados para 2023, 2024 e 2025.
Segundo a legislação, a partir de 1º de fevereiro de 2025, o subsídio mensal dos ministros do STF será de R$ 46.366,19.
Em teoria, juízes estaduais não poderiam ultrapassar esse valor. Entretanto, eis que surgem os famosos “penduricalhos”.
Festival de adornos
Os penduricalhos costumam ser respaldados por legislações estaduais, resoluções dos Tribunais de Justiça e decisões do CNJ.
Entre os benefícios mais comuns estão:
Auxílio-moradia: valor destinado a custear despesas com moradia, mesmo para juízes que possuem imóveis próprios na cidade onde atuam.
Auxílio-alimentação: verba para custear alimentação, paga em diversos estados.
Auxílio-saúde: benefício voltado a despesas relacionadas à saúde.
Verbas indenizatórias por férias não gozadas: pagamentos referentes a férias acumuladas ou não usufruídas.
Gratificações por acúmulo de função: valores destinados a magistrados que assumem processos ou funções além do previsto em sua jurisdição original.
Diárias e deslocamentos: verbas para cobrir despesas com viagens a trabalho.
Adicional por tempo de serviço: percentual extra vinculado ao tempo de carreira.
Abono por participação em cursos e eventos: indenizações relacionadas à capacitação profissional.
A compatibilidade desses “extras” com o teto constitucional é, com frequência, objeto de questionamentos.
E com razão. Afinal, serventuários da Justiça, ao exercerem suas funções no serviço público, têm seus subsídios e “adornos” pagos com recursos do erário. A transparência, princípio fundamental do Direito Administrativo, é igualmente aplicável a eles.
O problema surge quando as críticas e cobranças recaem sobre instâncias que respeitam o teto constitucional, como os ministros do STJ e do STF. Por serem figuras de grande visibilidade pública, esses magistrados frequentemente enfrentam mais ataques – injustos e sem fundamento – sobre seus “gastos” e “subsídios” do que os demais.
A questão, porém, não deve ser encarada como uma tentativa de opor uma classe à outra, mas sim como uma busca por equidade.
A discrepância entre remunerações é tão marcante que juízes auxiliares dos ministros, oriundos da justiça estadual, invariavelmente recebem muito mais dos que os ministros, sendo que muitos deles, anualmente, chegam a ganhar o dobro do valor que os próprios ministros do STF e STJ.
Isso ocorre porque os magistrados estaduais são remunerados pelos Estados a que pertencem, o que pode gerar distorções salariais incompatíveis com o teto constitucional.
Prova dos nove
Uma rápida consulta ao painel de remuneração de magistrados disponibilizado pelo CNJ evidencia a disparidade entre os subsídios de juízes vinculados aos Tribunais de Justiça estaduais e os recebidos pelos ministros do STJ e do STF.
Embora esta matéria não tenha como objetivo expor a remuneração dos juízes, em nome da utilidade pública, é importante que o leitor saiba onde encontrar essas informações para consultar os dados e tirar suas próprias conclusões. Clique na imagem.
O tema não é novo, mas a crítica e a busca por coerência permanecem tão relevantes quanto antes. Não sem motivo, vários veículos de imprensa, nestes dias, estão divulgando reportagens sobre a questão.
E, embora os benefícios sejam legalmente amparados, eles são frequentemente utilizados como uma forma de contornar o teto remuneratório, resultando em aumentos desproporcionais nos rendimentos dos magistrados. Além disso, nem tudo que é legal é legítimo.
A grande questão é: até que ponto esses “penduricalhos” são justificáveis dentro dos limites do teto constitucional?